sábado, 28 de maio de 2022

OPINIÃO: Portugal gasta demasiado com os funcionários públicos?

 http://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2022/05/portugal-gasta-demasiado-com-os.html

Portugal gasta demasiado com os funcionários públicos?

No seu mais recente relatório sobre Portugal, a Comissão Europeia está preocupada com «o crescente aumento de funcionários públicos nos últimos anos», alertando para o impacto desse aumento na pressão «permanente sobre os gastos públicos». A sustentar esta avaliação, e de modo a defender a «racionalização dos gastos e do número de trabalhadores do Estado», a Comissão assinala que Portugal gasta, em percentagem do PIB, mais que a Europa a pagar salários da Função Pública (11,8%, com a média europeia a rondar os 10,5%).

É curioso que seja este o indicador escolhido pela CE (peso dos salários da função pública no PIB), e não o mais usual, relativo à percentagem de funcionários públicos no emprego total. Mas percebe-se: se recorresse a este último, já não poderia posicionar Portugal acima da média europeia (e, assim, defender a necessidade de «racionalizar» o emprego público). De facto, e como já se assinalou aqui, com um valor a rondar os 14%, Portugal encontra-se, em termos de peso da Função Pública no emprego total, bem abaixo da média europeia (situada em 18%).


Sucede, por outro lado, que é preciso cautela na leitura do peso da «folha salarial» do emprego público. É que muito provavelmente o seu valor reflete, no caso português, a dinâmica de envelhecimento da função pública e, nessa medida, a relevância dos escalões de topo das carreiras, com remunerações mais elevadas. É que, de facto, somos hoje um dos países com maior percentagem de funcionários públicos com 55 e mais anos (37% do total), sendo apenas superados pela Grécia, Espanha e Itália. Aliás, no conjunto de países da UE sinalizados pela OCDE, Portugal foi aquele em que o envelhecimento da função pública mais se agravou nos últimos cinco anos (com um aumento de 17 p.p., entre 2015 e 2020, do peso relativo de trabalhadores com 55 e mais anos).


Quer isto dizer que, a breve trecho, a entrada na reforma destes trabalhadores do Estado implica duas coisas: a necessidade de assegurar a sua substituição (não temos, de facto, funcionários públicos a mais, traduzindo os recentes aumentos a reposição dos cortes de efetivos no tempo da troika) e, com essa substituição, a redução natural do volume global de despesa com salários (uma vez que as entradas constituem início de carreira, com remunerações mais baixas). E por isso não se percebe a dita necessidade de adotar medidas orientadas para a «racionalização dos gastos e do número de trabalhadores do Estado», assinalada pela Comissão Europeia.

Nada disto parece ser do desconhecimento da CE, que dá boa nota, no referido relatório, do «grande desafio» do envelhecimento da Função Pública (reconhecendo, por exemplo, que temos «uma das maiores proporções de professores acima dos 50 anos») e do facto de o envelhecimento da população implicar uma procura crescente de profissionais de Saúde (com o desafio adicional, neste caso, de não deixar escapar profissionais para o privado). A questão é que se identifica as dificuldades, a Comissão reprova as respetivas soluções, refugiando-se na confortável vacuidade de defender aumentos de eficiência, como se isso bastasse para responder à magnitude dos problemas.


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