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A epifania de Costa
Depois de ter voltado a rejeitar uma actualização digna dos salários da Administração Pública, Costa pede agora um «esforço» às empresas em nome de «maior justiça».
Foi este sábado, e António Saraiva, líder da Confederação Empresarial de Portugal (CIP) já veio acusar o primeiro-ministro de estar a fazer propaganda política, ao apontar um aumento do salário médio de 20% até 2026. Num encontro de jovens, no Algarve, António Costa apelou à consciência das empresas e falou da necessidade de haver «maior justiça nas políticas remuneratórias que praticam», lembrando que o peso dos salários no conjunto da riqueza nacional é de 45%, menos três pontos percentuais comparativamente com a média da União Europeia.
Uma semana após a Assembleia da República, com protestos à porta, ter votado o Orçamento do Estado onde está vertida a opção de manter reformados, pensionistas e trabalhadores da Administração Pública com cada vez menos salário, e persistir no subfinanciamento das funções sociais do Estado, o primeiro-ministro, que tem usado o argumento da «espiral inflacionista» para recusar aumentar o rendimento das famílias, articula agora um discurso sobre «maior justiça», quando se sabe que nem o próprio, nem os patrões estão disponíveis para dar esse passo. Basta ver os aumentos extraordinários dos reformados e pensionistas, medida que o PS incorporou quando estava em minoria, e que agora recusou actualizar (no mínimo de 20 euros) para ajudar a enfrentar a brutal subida dos preços a que estamos a assistir, e que cava fundo o fosso da desigualdade e da pobreza.
Diz Costa que o Estado «pode e deve ajudar, com políticas públicas», no sentido de «aumentar o rendimento disponível das famílias». Sendo certo que pode, e natural que deva, a verdade é que o Governo do PS não tem estado à altura das necessidades dos portugueses, apesar de ter condições para o fazer – veja-se os 250 milhões de euros que o primeiro-ministro ofereceu à guerra na Ucrânia, mais os 50 milhões prometidos à Polónia. O Executivo recusou fixar preços de bens essenciais, como a alimentação, a energia e os combustíveis, tal como não avançou com uma rede pública de creches, nem com o alargamento da sua gratuitidade e do abono de família, medidas que, entre muitas outras, podiam contribuir realmente para aumentar o rendimento disponível dos portugueses.
O presidente da CIP foi um dos que se mostraram surpreendidos com as palavras do primeiro-ministro, até porque o normal é que sejam os patrões a ditar as regras do jogo, como se viu recentemente na concertação social, onde o Executivo de Costa anuiu a uma boa parte das «linhas vermelhas» traçadas pela confederação liderada por António Saraiva, mantendo na precariedade quem realmente cria a riqueza.
Pelo contrário, os patrões dizem que o Governo não dá o manual de instruções para que se possa proceder ao aumento dos salários em 20% até 2016, e escudam-se nos «brutais aumentos nas matérias-primas e na energia», quando se sabe que os lucros dos grandes grupos económicos não têm parado de aumentar, à boleia de argumentos como a pandemia e as sanções à Rússia. É o caso da Galp, que multiplicou os lucros por seis, para 155 milhões de euros, a que se juntam empresas de outros sectores, como a banca e a grande distribuição.
António Costa convocava ontem «sociedade, Estado e empresas» para atingir uma meta que, alegou, «temos de ser capazes de, colectivamente, alcançar». Um discurso «politicamente bonito», nas palavras de António Saraiva. Uma epifania...
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