terça-feira, 23 de agosto de 2022

A justiça, também um serviço público...

 https://www.publico.pt/2022/08/19/opiniao/opiniao/esperar-resultados-diferentes-2017597


Opinião

Fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes

Se é sabido que os juízes portugueses não confiam nos juízes portugueses, quem confiará?

19 de Agosto de 2022, 0:41

É uma novidade.

Foram divulgados os resultados de um inquérito feito a 494 juízes portugueses sobre a avaliação que fazem da sua independência individual ou de todo o sistema. O inquérito foi realizado pela Rede Europeia de Conselhos de Justiça.

Mais de um quarto dos inquiridos, 26%, acredita que, nos últimos três anos, juízes portugueses aceitaram subornos ou outras formas de corrupção. Outro aspecto relevante é que 27% desses juízes consideram ter havido distribuição de processos a juízes à revelia das regras ou dos procedimentos estabelecidos. O inquérito foi realizado no primeiro trimestre deste ano e os respectivos resultados foram divulgados há dias na página do Conselho Superior da Magistratura.

Comecemos pelo lado positivo desta notícia: os juízes, ao contrário daquilo de que costumam ser acusados, não foram corporativistas. Em vez de defenderem os seus pares, transmitiram as suas convicções e, neste caso, eram convicções graves e polémicas. Nota positiva para essa parte.

E acaba aí o que podemos retirar de positivo neste tema.

Os portugueses têm razões de sobra para desconfiar do sistema judicial: os megaprocessos que os apaixonam e que provocam sede de justiça, mas que depois não dão em nada; a morosidade inexplicável no andamento dos processos; a desigualdade no acesso à justiça em razão da capacidade económica e, mais recentemente, casos de corrupção envolvendo magistrados.

Só que este inquérito revela descrédito por parte de quem está dentro do próprio sistema judicial. Estamos perante um descrédito sentido por quem conhece os meandros da justiça como mais ninguém. Se é sabido que os juízes portugueses não confiam nos juízes portugueses, quem confiará?

Mais, estas conclusões não são eticamente inócuas. Não estamos a falar de falhas no sistema ou de dificuldades técnicas. O descrédito dos juízes inquiridos aponta para a falta da qualidade fundamental de quem é magistrado judicial: a integridade. Mais de um quarto destes juízes (e a amostra era significativa) acredita que outros juízes são corruptos e que cometeram crimes graves no exercício da profissão.

Passaram dias e nota-se a habitual atitude por parte dos conselhos superiores. O presidente do Conselho Superior da Magistratura, Henrique Araújo, afirmou recusar leituras apressadas e assegurou que o conselho ficará atento e que atuará disciplinarmente sempre que estiver na posse de elementos indiciadores de fenómenos corruptivos.

Costuma ser atribuída a Einstein uma frase que poderá ou não ser dele. Faz sentido aqui: “Insanidade é fazer as mesmas coisas e esperar resultados diferentes.” É que o que foi anunciado pelo presidente do CSM já estava, presume-se, a ser feito e não evitou que chegássemos onde estamos.

O problema é agora público. E não desaparecerá, por magia, se nada for feito. Os portugueses precisam de saber que estão a ser tomadas medidas para resolver duas situações que são inaceitáveis: a existência de corrupção na magistratura judicial e a falta de confiança que os juízes têm na sua própria classe. Esta falta de confiança aniquila a que os próprios portugueses pudessem ter.

As pessoas devem tratar as instituições com o respeito que lhes é devido, mas também merecem igual tratamento por parte das instituições. Tomarem conhecimento destes factos e esperar-se que esqueçam o assunto ou que convivam bem com este elefante na sala é desrespeitoso.

Ignorar os resultados do inquérito é objetivamente criar um novo problema e, pelo menos esse, poderia ser imediatamente acautelado ou resolvido. Não se pode apagar o passado. Casos de corrupção terão acontecido e a percepção que os magistrados judiciais têm uns dos outros é preocupante. Mas é possível, e exigível, que os factos sejam encarados publicamente pelas entidades com responsabilidades na magistratura judicial e que sejam anunciadas medidas para os resolver.

É o mínimo.

O desprestígio da justiça e o dos juízes têm um peso insustentável em democracia. Ter presente que os tribunais são os únicos órgãos de soberania não eleitos e que as suas decisões se sobrepõem a quaisquer outras. O poder judicial é o menos escrutinado pelos mecanismos democráticos, mas isso não o autoriza a virar costas às pessoas e ignorar as suas legítimas inquietações. Os procedimentos do tempo da outra senhora já não servem.

A autora é colunista do PÚBLICO e escreve segundo o novo acordo ortográfico

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